segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Adoção no Brasil

Milhares de menores vivendo em abrigos à espera de um lar. Milhares de candidatos em busca de um filho para chamar de seu. Quando vamos fechar a conta da adoção no Brasil?
Em novembro de 2009, quando a Lei Nacional de Adoção entrou em vigor, a esperança era de que mais e mais histórias de candidatos a pais de crianças sem lar tivessem um final feliz. Três anos depois, o cenário continua longe do ideal. Pouca gente está mais credenciada neste país a dar um panorama sobre a adoção do que Lidia Weber. Apaixonada pelo assunto, ela pesquisa o tema desde 1989, quando visitou um abrigo pela primeira vez e escreveu Filhos da Solidão, um de seus 11 livros publicados. Professora associada dos departamentos de Psicologia e de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, coordenadora do Núcleo de Análise do Comportamento (NAC), ela tem ainda no currículo mais de 150 publicações, mais de 300 trabalhos apresentados e dezenas de convites como palestrante em congressos nacionais e internacionais.
Psicóloga, pesquisadora e militante, Lidia é casada, mãe de dois filhos biológicos e dona de uma história pessoal reveladora: ela mesma viveu um processo parecido com o de adoção. Na infância, pouco antes de entrar na escola, saiu de Itararé, interior de São Paulo, onde morava com os pais, e foi viver em Curitiba, onde acabou sendo criada pelos tios, a quem chama de pai e mãe até hoje. Como você verá a seguir, o olhar dela para esse assunto tão delicado tem razão, mas também muita emoção.
Adotar é acreditar que a história é mais forte que a hereditariedade, que o amor é mais forte que o destino. Qual é a história dessa frase, cunhada por você?
Fiz o primeiro grande estudo em todo o Brasil sobre pais adotivos, filhos adotivos, filhos biológicos e famílias adotivas para minha tese de doutorado, que publiquei com o título de Filhos da Solidão. Foi quando aprendi que há coisas mais importantes que nossa vã psicologia. Existem altruísmo, generosidade, capacidade de abertura muito maiores do que supomos. Me apaixonei pelo tema da adoção porque ele subverte a biologia, a psicologia; é uma bonita transgressão dessa questão de sangue.

O que você diria a uma mulher que está em dúvida?
Eu diria a ela para se informar sobre o processo. Frequentar grupos de apoio na sua comunidade, ouvir depoimentos, pesquisar. Se ela mergulhar no processo, vai adotar. Quantas vezes participei de pesquisas que terminavam com a frase: “Se eu soubesse que era tão bom, teria tomado a decisão antes”?
Em sua pesquisa de doutorado, você concluiu que escolher a criança ou características dela não determinou melhor relacionamento afetivo. Quais são as fantasias mais comuns sobre adoção?
Uma relação sem arestas. Claro que os problemas existem – senão, não seria natural. Qualquer família enfrenta dificuldades. Mas outra pesquisa feita por mim mostrou que, em 70% dos casos de insatisfação de pais e filhos, a revelação da condição de adotado tinha sido tardia ou inadequada. Esse, sim, é um fator de risco para as expectativas de um bom relacionamento familiar. Depois dos 6 anos, é tarde demais para saber.
O filme Um Sonho Impossível, baseado na história de um jogador de futebol americano, negro e adotado aos 16 anos, seria um sonho impossível no Brasil? O brasileiro tem preconceito de cor?
O brasileiro tem preconceito de cor por fazer o seguinte raciocínio: quero um bebê parecido comigo.

Mas se somos um país de pardos…
Mas a maioria que adota é de brancos. O IBGE mostrou o retrato de um país de pardos porque aumentou o reconhecimento – até o último Censo, muitos não se reconheciam como tal. Somos metade pardos e negros. A boa notícia é que lentamente a realidade está mudando, e aumenta o número de adoções inter-raciais.

A que você atribui a mudança?
Principalmente aos grupos de apoio, que mostram a realidade com mais clareza. Artistas como Madonna, Gal Costa, Angelina Jolie e Sandra Bullock acabam gerando modelos importantes para a comunidade.

Por falar em mudanças, o que de fato mudou com a Lei Nacional de Adoção, de 2009, que se propunha a corrigir falhas graves, como o despreparo dos futuros pais e a prioridade para que irmãos fossem adotados por uma mesma família?
A lei veio em boa hora, mas não resolveu todos os problemas como se esperava. Entre a lei e a realidade, há muitas pedras. Por exemplo, a preparação de quem adota. Preparar quer dizer formar, esclarecer, propiciar desenvolvimento, maturação e mudança. Mas palestras não mudam comportamento. É necessário também oferecer vivências, sensibilizações, e por um período não menor que seis meses. Tampouco existe, ainda, um órgão de coordenação do Judiciário. Para saber sobre as estatísticas de abandono e adoção, é preciso buscar em mais de 2 mil juizados do país. No caso dos irmãos, é importante saber se foram criados juntos e desenvolveram um vínculo. Imagine a dificuldade de encontrar interessados em adotar cinco irmãos!

No que consiste essa preparação?
Você vai ter que saber lidar com o preconceito, sim, porque ele ainda existe. Se adota uma criança mais velha ou uma criança de cor, precisa saber administrar essa identidade. O adotante também deve ser preparado para revelar a adoção. Se alguém chega para uma mãe adotiva e diz: “Ah, essa é a criança que você pegou para criar?”, ela não precisa ficar brava e virar a cara. Deve dizer: “Não, essa criança se chama Maria e é minha filha, tem 5 anos”.

E quanto ao Cadastro Nacional de Adoção?
Há um rigor excessivo para que as adoções sejam feitas por meio do cadastro. Mas sua óbvia falta de atualização envia sinais trocados, como a divulgação de que existem cerca de 4 mil crianças e mais de 26 mil adotantes. Os números da Associação dos Magistrados do Brasil mostram que em torno de 80 mil crianças e adolescentes estão em abrigos, e apenas 10% desse total podem ser adotados. Na verdade, ninguém sabe exatamente quantos abrigados são nem quantos abrigos existem! Outra lei que não está funcionando como se esperava é a da família extensa. O empenho exagerado em tentar a reintegração da criança a avós, tios, primos e outros parentes tem resultado em crianças que envelhecem nos abrigos e depois perdem suas melhores chances de adoção – é sabido que a maioria prefere bebês.

Qual a solução para nossos problemas de adoção?
As pessoas ainda desejam uma criança idealizada, que não está disponível. Por outro lado, a solução inclui resolver problemas como a miséria. Temos de acabar com o abandono de crianças no lixo, na maternidade, nas instituições. Uma mãe pobre que não quer criar seu filho não tem consciência de que pode levar essa criança ao juizado e doar. A maioria das crianças em abrigo é abandonada. Mas essas mães que abandonam, de fato, nunca foram filhas. Eram vítimas de práticas abusivas ou negligentes; praticamente não tiveram pai nem mãe. Se não foram filhas, não saberão ser mães. O que define o ser humano é a capacidade de amar e ser amado. Se o vínculo afetivo não existe… Há relatos impressionantes: “Abandonei minha filha mesmo, porque eu queria ir nos `bailão¿ e ela me atrapalhava”. Outra disse: “Uma vez esqueci minha filha na mesa de sinuca do bar; tiveram que bater lá em casa”. São outros valores, outros modelos. Não adianta atirar pedra nessas mulheres. Temos um estado, e o poder público tem que cuidar da família como um todo.

Quais histórias de adoção ou de abandono mais a impressionaram em todos esse anos?
São tantas… uma menina linda, um anjo de cabelos loiros, abusada pelo padrasto com mãe conivente, chegou ao abrigo com 1 ano e meio, mas só pôde ser adotada com 4. Como é que demoraram três anos e meio para colocar uma criança que qualquer um ia querer? Aquela promotora carioca que foi presa por manter a filha adotiva em cárcere privado, entre outros maus-tratos. Como puderam entregar uma criança a ela? Mas também tem um casal em Joinville que adotou mais de 50 crianças. Ele é um ex-pastor; então, ali, é um projeto de vida. Claro que não é para qualquer um. Aqui em Curitiba tem um caso bonito também. Um bombeiro, já com três filhos biológicos, calhou de salvar um bebê jogado no rio dentro de um saco plástico. Aí se apaixonou, achou que era uma mensagem de Deus, e conseguiu adotar. Depois disso, já adotou mais 15.

O que realmente importa em um processo de adoção?
Você tocou em um ponto importantíssimo, um marco divisório: se chama adoção moderna, em que o maior interesse é o da criança. O que a sociedade como um todo precisa fazer é encontrar uma família para essa criança, e não uma criança para essa família.

Fonte: Planeta Sustentavel. Confira o texto original em planetasustentavel.abril.com.br

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